Participação e Autonomia na Luta por Direitos. Por frei Gilvander Moreira[1]
8 de Março de 2018 em Feira de Santana, na Bahia: MULHERES NA LUTA POR DIREITOS, DEMOCRACIA E AUTONOMIA. Foto: Divulgação Redes VirtuaisEm uma sociedade capitalista com uma brutal
desigualdade socioeconômica e política, compreendemos a luta pela terra, por
território e por moradia como sendo uma pedagogia de emancipação humana que,
sob certo sentido, desconstrói uma educação integradora no sistema do capital
como “aquele cujo real objetivo,
consciente ou inconscientemente, é integrar o indivíduo à sociedade, tornando-o
um bom cidadão, isto é, uma pessoa de ordem, por meio da inculcação da
ideologia dominante. Dessa forma, a educação inclusiva é fator fundamental para
a reprodução da sociedade” (HERNÁNDEZ, 2005, p. 48).
O tema da autonomia é central na psicologia, na
filosofia e, em geral, nas ciências sociais. Se as/os trabalhadoras/res e as/os
camponesas/ses não se tornam sujeitos autônomos de suas vidas e da sua
existência não dá para construir emancipação. Segundo a psicologia humanista
(C. Rogers, E. Fromm, por exemplo), a pessoa existe para ser autônoma. Sem
autonomia, a pessoa não se realiza humanamente. “Para J. Piaget, o esquema do desenvolvimento da individuação suscita a
transição do egocentrismo para o sociocentrismo, que passa pela aquisição de
níveis crescentes de autonomia e que, ao tornar o indivíduo mais autônomo (e
reflexivo) em relação à influência do ambiente permite que a pessoa opere com
maior grau de autonomia; no campo dos valores (também para Piaget) seria sobre
a transição do convencionalismo e da heteronomia (aceitação acrítica das
influências de valor), para a autonomia da pessoa” (HERNÁNDEZ, 2005, p.
63).
Para a condição humana social, cultural e
historicamente circunstanciada, o estado de submissão, imposição e
constrangimento das potencialidades da pessoa humana é tremendamente
desemancipatório, pois abafa o potencial humano que poderia desabrochar, mas
para isso exige ambiente acolhedor e respeitoso. A emancipação pessoal se
constrói no exercício de diálogo crítico, reflexivo e criativo, aberto à
problematização de tudo, no qual o sujeito é parte comprometida com a práxis
social e com a produção de conhecimento emancipatório. Uma postura pessoal
autônoma implica tomar decisões consequentes com esse modo de pensar.
Nos processos de emancipação o papel da cultura é
imprescindível, pois “esta é a capacidade
de abarcar as diversas expressões produtivas e espirituais da sociedade, de
expressar os elementos essenciais que identificam os povos” (VÁZQUEZ;
GONZÁLEZ, 2001, p. 24). Nessa perspectiva, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento de Luta nos
Bairros, Vilas e Favelas (MLB), O Movimento Indígena e Quilombola e outros valorizam
muito as expressões culturais populares e a mística – ‘pulmão da luta’ -,
sempre incentivando o máximo de criatividade nos inícios dos encontros, das
lutas, durante e ao final, sempre com inserções plásticas – simbólicas –
carregadas de vigor das causas que estão sendo defendidas.
Temos que reconhecer que estamos imersos em muitas
crises, entre as quais uma crise ética sem precedentes na história. Uma
revolução ética é urgente e necessária. O socialismo preconizado por Karl Marx,
que se afirmou como uma utopia necessária e possível, infelizmente não foi
implementado em toda sua plenitude durante o século XX em nenhum país. “A promessa de uma sociedade diferente,
pós-capitalista, revolucionária e revolucionada, que encorajasse as capacidades
humanas a partir de uma ordem equitativa e justa, não se tornou viável no
século XX: o socialismo não se tornou um processo civilizatório e cultural
diferente do capitalismo” (ALONSO, 1998, p. 16-17).
Por causa da violação de direitos humanos fundamentais
pelo (des)governo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) não
podemos cometer a injustiça histórica de condenar todo e qualquer tipo de
socialismo. Necessário se faz fazer uma distinção que Marta Harnecker faz: “estabelecer
as distinções entre projeto e modelo para falar de socialismo após o fracasso
do socialismo real: ou seja, “o projeto
ou proposta socialista e certo modelo de socialismo [...] o que foi
efetivamente derrotado foi um modelo de socialismo: o soviete, e não o projeto
socialista como tal” (HARNECKER,
1999, p. 125).
Construir uma sociedade justa economicamente,
solidária socialmente, ecologicamente sustentável, ecumênica e politicamente
democrática continua sendo um sonho não realizado (“Sonho bom!”), não apenas
porque não foi viável ao longo da história, mas também, e talvez
principalmente, porque não foram aproveitadas as brechas da história e nem
cunhas suficientes foram colocadas para bloquear a engrenagem do sistema do
capital que continua cada vez mais avassalador e brutalmente violentador de
direitos humanos e de direitos da natureza.
A luta pela terra se torna efetiva pela participação
dos sujeitos Sem Terra (da mesma forma para os Sem Teto e Povos Tradicionais)
ao descobrir que tem poder econômico quem controla o capital e exerce o poder
político quem comanda o aparelho repressor do Estado e faz as leis. No entanto,
o poder dos Sem Terra, dos Sem Teto e dos Povos Tradicionais está na
participação, no número. Quanto maior e melhor for a participação dos sujeitos
que lutam pela terra, por território e por moradia, mais vitórias serão
conquistadas. Portanto, o conceito de participação é fundamental, mas este é um
conceito análogo, pois pode ser entendido de diversas formas. Ajuda-nos o
conceito de participação, apresentado por Kisnerman, citado por Hernández, que
afirma: “Participar é [...]
estar em algo, fazer parte, decidir, é tomar decisões e não simplesmente ser o
executor de algo, é estar sujeito a todo um processo, portanto participação é a
estratégia essencial em toda promoção comunitária” (KISNERMAN, 1990 apud HERNÁNDES, 2005, p. 109). A
participação se expressa de diversas formas em todo o processo de luta coletiva
pela terra, por território, por moradia e por outros direitos sociais. “[...] não só como resposta à mobilização convocada de um
centro, mas intervenção ativa em todo o processo social, desde a identificação
de necessidades, a consequente definição de políticas, até à execução, passando
pela implementação e controlo em torno dessas políticas” (GUZÓN apud HERNÁNDEZ, 2005, p.
110).
Há diversos níveis de participação e não há como lidar
com o conceito de participação sem colocar em baila a noção de sociedade civil
cunhada por Antonio Gramsci, que interpretou a questão do poder através do
conceito de hegemonia. Conforme Jorge Acanda: “A teoria da hegemonia teve que desenvolver a teoria marxista do Estado,
indo além de sua interpretação inicial como um mero conjunto de instrumentos de
coerção, para interpretá-lo também como um sistema de instrumentos para a
produção de liderança intelectual e consenso” (ACANDA, 2002, p. 244-245). A
esse respeito Ovidio Hernández cita Gramsci nos Cadernos do Cárcere, onde o
filósofo italiano comunista, enquanto estava preso, afirma: “O exercício normal da hegemonia [...] é caracterizado por
uma combinação de força e consenso, que se equilibram de maneiras diferentes,
sem que a força predomine demais sobre o consenso, e tentando fazer a força
parecer baseada na aprovação da maioria, expressa através dos chamados órgãos
de opinião pública” (GRAMSCI apud HERNÁNDEZ, 2005, p. 111).
Enfim, a luta por direitos pressupõe autonomia,
participação, mística libertadora, utopia socialista, tudo conjugado para
conquistarmos emancipação humana. Eis um caminho emancipatório. Bem-vindo/a à
luta por direitos!
Referências
ACANDA, Jorge Luis. Sociedad civil y
hegemonía. La Habana: Centro Juan Marinello, 2002.
HARNECKER,
Marta. Democracia y socialismo. In: Temas, n. 16-17. La Habana, 1999.
HERNÁNDEZ,
Ovidio S. D’Angelo. Autonomía integradora y transformación social: El desafío
ético emancipatorio de la complejidad. La Habana: Publicaciones Acuario Centro
Félix Varela, 2005.
VÁZQUEZ, Elvira; GONZÁLES, Andrés. Las políticas culturales, su papel en los procesos de desarrollo. In: Memorias Primer Taller Nacional Intersectorial Comunitario, La Habana, UNESCO, 2001.
31/01/2023
Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o
assunto tratado, acima.
1 - Frei Gilvander e CPT: Exigimos a Preservação integral da
Mata do Jd. América, BH/MG! Natureza, SIM!
2 - Prédios de 17 andares com quase 500 aptos de luxo na Mata
do Jd. América em BH/MG? Inadmissível!
3 - “Basta de propostas conciliatórias sobre a Mata do Jd.
América, em BH/MG! Preservação 100%, JÁ!"
4 - Basta de especulação imobiliária na Mata do Jd. América,
em BH/MG! O justo é preservação 100%, JÁ!
5 - SALVE a Mata do Jd. América, em BH/MG, com urgência!
Anulação do acordo injusto e sob coação, JÁ
6 - Mata do Jd. América em BH/MG, único pulmão de 11 bairros
de BH. Preservação INTEGRAL 100%, JÁ! v. 2
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em
Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel
em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto
Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e
Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação
Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
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