terça-feira, 19 de julho de 2022

Contexto para estudo do livro de Josué. Por Frei Gilvander

Contexto para estudo do livro de Josué. Por Frei Gilvander Moreira[1]



Em setembro, Mês da Bíblia, em 2022, somos convidados/as a estudar, refletir e a inspirar-nos no livro de Josué, o 6º livro da Bíblia, com o lema: “Seja firme e corajoso porque Javé teu Deus estará contigo, onde quer que vás” (Js 1,9). O CEBI[2]-MG publicou um livrinho texto-base - LIVRO DE JOSUÉ: luta pela terra, dom e conquista: Uma leitura do livro de Josué feita pelo CEBI-MG. Quero partilhar aqui mais um pouco do nosso artigo que integra o livrinho referido acima: “TERRA DE DEUS, TERRA DO POVO: DOM E CONQUISTA”, com o subtítulo “A luta para conquistar e partilhar a terra no livro de Josué e nos dias de hoje”. Ainda sobre a luta pela terra no nosso querido Brasil.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) já realizou seis congressos. No seu III Congresso, realizado de 24 a 27 de julho de 1995, como lema de luta para os anos de 1995 a 1999, o MST cunhou: “Reforma Agrária, uma luta de todos!Duas semanas após, dia 09 de agosto, ocorreu o massacre de Corumbiara, na Fazenda Santa Elina, em Rondônia, pela polícia militar que assassinou nove trabalhadores Sem Terra, inclusive com tiros pelas costas a curta distância. Vanessa dos Santos Silva, criança de sete anos, foi assassinada enquanto fugia de mãos dadas com sua mãe. Dois policiais também morreram no conflito em Corumbiara.

Compreender a luta pela reforma agrária tornou-se pertinente e necessário diante do crescimento do êxodo rural e, consequentemente, da população urbana. Era preciso infundir a ideia de que a luta pela terra e a reforma agrária como política pública interessam não apenas aos camponeses, mas diretamente também ao povo da cidade. Por isso, um dos gritos de luta foi: “Se o campo não planta, a cidade não janta!” Trabalhadores do campo e da cidade, juntos em unidade na luta!

O massacre de Eldorado dos Carajás, acontecido no final de tarde do dia 17 de abril de 1996, foi um divisor de águas na luta pela terra no Brasil. Por isso, 17 de abril tornou-se o Dia Internacional de Luta Camponesa. Após o massacre de Eldorado dos Carajás, o MST deu um salto de qualidade e cresceu muito, pois o sangue dos 21 camponeses tombados na curva do S irrigou a semente da luta pela terra, em uma infinidade de outros territórios no campo brasileiro. Em 18 de dezembro de 1996, o Congresso Nacional aprovou nova lei, prescrevendo o aumento do valor do Imposto Territorial Rural (ITR) para as propriedades rurais improdutivas, bem como o rito sumário que encurta os prazos da lei de desapropriação de terras para fins de reforma agrária. Beneficiou, porém, os latifundiários, que ganharam o direito de receber o pagamento da terra no momento em que o INCRA iniciasse a ação de desapropriação na Justiça e ainda o direito de avaliação do ‘preço justo’ do imóvel. Foi aprovado, ainda, o projeto que autoriza a intermediação do Ministério Público nos conflitos agrários. A principal arma de atuação política do MST durante esse governo foi a pressão exercida por meio das ocupações de terra. No ano, 2000, Bernardo Mançano defendia a tese segundo a qual a luta pela terra só se torna exitosa pela ocupação de terras. Apertado, o governo federal é forçado a promover pelo menos política de assentamento em áreas de conflitos.

Ao longo da história, tem acontecido também o aprisionamento da terra, bem como lutas populares pela conquista da terra. Em pleno século XXI, o projeto neocolonial-imperial capitalista- extrativista concentra(dor), em nome do lucro desenfreado e da acumulação de capital continua expropriando e superexplorando os camponeses e as camponesas e todos os ecossistemas e biomas. Documentos da FAO-ONU para a América Latina mostram que mais da metade das terras agrícolas cultiváveis está sequestrada nas mãos de 1% de empresários do campo, que compreendem a terra como mercadoria e, por isso, implementam unidades produtivas de commodities para o mercado de exportação. É impressionante constatar que 80% das pequenas propriedades - de agricultores familiares - ocupam menos de 13% do território, sendo que produz cerca de 70% dos alimentos que chegam ao prato do povo brasileiro.

 Assim, posseiros, assentados a partir da mínima reforma agrária já realizada, agricultores familiares e os Povos e Comunidades Tradicionais compreendem a terra como espaço de sustento da vida humana e de todos os seres vivos. Os povos indígenas de Abya Yala têm uma relação horizontal com a terra por compreendê-la como Pacha Mama. Para a mística e espiritualidade libertadora, a terra é Gaia, um grande ser vivo, e não pode continuar sendo objeto de exploração, pois é fonte de vida.

Neste contexto, tornou-se imprescindível buscarmos luzes e forças divinas no livro de Josué, como inspiração bíblica para seguirmos na luta pela terra e pela boa e saudável administração dos territórios já conquistados. Como a luta pela terra aconteceu sob o protagonismo dos povos da Bíblia, segundo o livro de Josué? Eis o que exporemos no próximo artigo.

 

(Obs.: No próximo artigo, seguiremos a reflexão sobre o livro de Josué).

 

19/7/2022

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Chaves de leitura do livro de Josué: Partilha da terra - Mês da Bíblia 2022. Por Ildo Bohn e CEBI/MG



2 - Bíblia, Palavra que Ilumina e Liberta. Dia da Bíblia, 30/9/21. Por Frei Gilvander, Irmã Ivanês etc



3 - Deram-nos a Bíblia. “Fechem os olhos!” Roubaram nossa terra. Xukuru-Kariri, Brumadinho/MG. Vídeo 5



4 - Filme PEDRA EM FLOR, de Argemiro Almeida, 1992. CEBs e Leitura Popular da Bíblia. Frei Carlos Mesters



5 - Frei Carlos Mesters entrevistado por frei Gilvander: Inspirações da Bíblia para sermos humanos



6 - COMUNIDADE, FÉ E BÍBLIA, Carmo Vídeo, 1995. Roteiro: Frei Carlos Mesters, Frei Gilvander e Argemiro



 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – www.cebimg.org.br 

terça-feira, 12 de julho de 2022

Livro de Josué no Mês da Bíblia de 2022. Por Frei Gilvander

 Livro de Josué no Mês da Bíblia de 2022. Por Frei Gilvander Moreira[1]


Em Minas Gerais, há mais de 25 anos, um grupo de biblistas do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI-MG)[2] publica anualmente um livrinho que busca ser um Texto-Base sobre o livro bíblico do Mês da Bíblia: setembro. Em 2022, todas as pessoas e comunidades cristãs são convidadas a refletir e a inspirar-se para a caminhada libertadora e ecumênica, especialmente no mês de setembro, sobre o livro de Josué. Já está publicado LIVRO DE JOSUÉ: luta pela terra, dom e conquista: Uma leitura do livro de Josué feita pelo CEBI-MG.

No nosso artigo “TERRA DE DEUS, TERRA DO POVO: DOM E CONQUISTA”, com o subtítulo “A luta para conquistar e partilhar a terra no livro de Josué e nos dias de hoje”, analisamos a luta pela terra e sua partilha entre os camponeses e camponesas, no livro de Josué, na Bíblia, e nos dias de hoje, tendo um olho na realidade do campesinato brasileiro na luta pela terra e outro olho no livro de Josué. Mostramos um pouco da luta pela terra nos dias de hoje e, após, apresentamos várias chaves de leitura para compreendermos a luta pela terra no livro de Josué como dom e conquista. Analisamos se os líderes da luta pela terra, segundo o livro de Josué, podem receber terra. Destacamos a visão mística da luta pela terra e o protagonismo das mulheres no volante da luta pela terra. Analisamos ainda duas questões: a) Que tipo de fé e que tipo de Deus fortalecem a luta pela terra? b) Josué foi mesmo o grande líder que coordenou todas as lutas pela terra em Canaã?

Iniciamos a reflexão com a luta pela terra nos dias de hoje. Em 2015, existiam no Brasil 9290 assentamentos de reforma agrária, em uma área de 88.269.706,92 hectares, com 969.640 famílias assentadas conforme dados do INCRA).[3] Também segundo dados do INCRA de 2015, o estado de Minas Gerais, entre 1986 e 2015, contava com 412 assentamentos para fins de Reforma Agrária, onde viviam 15.965 famílias assentadas, em 884.868,24 hectares de área. Isso representa 0,5% da reforma agrária necessária no Brasil, país-continente. Essa conquista exigiu mais de 40 anos de luta do povo camponês, milhares de ocupações de latifúndios que não cumpriam a função social, muita perseguição e mais de 2.000 lideranças camponesas martirizadas. Quanto aprendizado!

Segundo estatísticas cadastrais do INCRA, em 2014, o estado de Minas Gerais possuía como terras potencialmente públicas devolutas 13.398.101 hectares (22,8% do total), em sua maioria grilada por fazendeiros e principalmente por grandes empresas do agronegócio. Muitas terras foram concedidas a grandes empresas “reflorestadoras” (na verdade, eucaliptadoras) por meio de convênios firmados com o Governo do Estado nas décadas de 1970 e 1980. Ainda hoje, essas empresas estão na posse dessas terras públicas utilizando-as, exclusivamente, para a monocultura de eucalipto, mesmo estando vencidos muitos desses convênios.

 Antes de ser invadido pelos portugueses, em 22 de abril de 1500, o povo brasileiro vivia em paz com a biodiversidade no nosso país, tendo de 8 a 40 milhões de indígenas falando, segundo estimativas, mais de 1200 línguas e com culturas altamente diversificadas. Mas, com a invasão portuguesa, iniciou-se aqui a Empresa Brasil. O objetivo foi, desde a chegada dos portugueses, explorar e sugar os bens naturais e, para isso, tornou-se necessário implantar a escravidão. Primeiro escravizaram os indígenas[4], mas com pouco sucesso. Então decidiram importar milhões de trabalhadores negros que foram arrancados da Mãe África, onde haviam nascido em liberdade.

Darcy Ribeiro, na obra O Povo brasileiro, noticia como os engenhos de cana-de-açúcar, a mineração e o cultivo nas monoculturas de exportação foram máquinas de moer vidas. A literatura de José Lins do Rego retrata a realidade das grandes fazendas que, aos poucos, ficaram de “fogo morto” com a mudança dos interesses do comércio internacional e a falta de competitividade. Isso inviabilizou os empreendimentos agrícolas de exportação dos grandes engenhos de cana-de-açúcar no Nordeste. Mesmo com a decadência, os senhores de terras, vivendo na cidade, continuaram cercando a terra e expropriando os camponeses.

Organizados nas Ligas Camponesas, a partir de 1955, sob a liderança do advogado Francisco Julião Arruda de Paula e com o apoio de militantes do Partido Comunista Brasileiro, durante mais de 10 anos, milhares de camponeses lutaram pela terra de forma aguerrida. O grito era: “Reforma Agrária, na lei ou na marra!” “As Ligas Camponesas tiveram crescimento expressivo até o início de 1964, quando já eram aproximadamente 2.181, espalhadas por 20 Estados da Federação”.[5] Entretanto, dependentes da atuação de sua cúpula, as Ligas foram exterminadas pelos generais por meio da repressão do golpe militar-civil-empresarial de 1964. Os Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs), que ganharam legalidade a partir de 1963, foram, em sua maioria, cooptados pelo Governo Federal mediante os benefícios do chamado “imposto sindical” e da administração do programa FUNRURAL.

A luta pela terra no Brasil, especificamente em Minas Gerais, vem desde o início da invasão do Brasil pelos brancos portugueses. Já são 522 anos de luta pela terra. Milhões de indígenas foram dizimados, mas muitos resistiram, como Sepé Tiaraju, “lutando pelo reconhecimento do regime comunitário de propriedade que fundamenta a sua existência tribal, a restauração da sua identidade social violentada e a afirmação de sua visão de mundo anticapitalista”.[6] Milhões de negros foram escravizados, mas muitos se rebelaram e formaram quilombos, como os liderados por Zumbi dos Palmares e Dandara, no final do século XVII. Movimentos populares messiânicos, tais como o de Antônio Conselheiro, em Canudos, de 1893 a 1897, na Bahia, e do monge José Maria, no Contestado de 1912 a 1916, no Paraná e Santa Catarina, também lutaram pela terra.

(Obs.: No próximo artigo, seguiremos esta reflexão).

 

Referência

CABRAL, Oswaldo Rodrigues. A Campanha do Contestado. 2ª edição. Florianópolis: Editora Lunardelli, 1979.

CLAVERO, Bartolomé. Derecho indígena y cultura constitucional en AméricaMéxico: Siglo XXI, 1994.

LAUREANO, Delze dos Santos. O MST e a Constituição – um sujeito histórico na luta pela Reforma Agrária no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

MARTINS, José de Souza. Expropriação e violência: a questão política no campo. 3a edição. São Paulo: HUCITEC, 1991.

MONTEIRO, Douglas Teixeira. Os Errantes do Novo Século. São Paulo: Duas Cidades, 1974.

QUEIROZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e Conflito Social (A guerra sertaneja do Contestado, 1912-1916). Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A, 1966.

SOUZA, Frederecindo Marés de. O presidente Carlos Cavalcanti e a revolta do Contestado. Curitiba: Lítero Técnica, 1987.

12/7/2022

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Chaves de leitura do livro de Josué: Partilha da terra - Mês da Bíblia 2022. Por Ildo Bohn e CEBI/MG


2 - Bíblia, Palavra que Ilumina e Liberta. Dia da Bíblia, 30/9/21. Por Frei Gilvander, Irmã Ivanês etc


3 - Deram-nos a Bíblia. “Fechem os olhos!” Roubaram nossa terra. Xukuru-Kariri, Brumadinho/MG. Vídeo 5


4 - Filme PEDRA EM FLOR, de Argemiro Almeida, 1992. CEBs e Leitura Popular da Bíblia. Frei Carlos Mesters


5 - Frei Carlos Mesters entrevistado por frei Gilvander: Inspirações da Bíblia para sermos humanos


6 - COMUNIDADE, FÉ E BÍBLIA, Carmo Vídeo, 1995. Roteiro: Frei Carlos Mesters, Frei Gilvander e Argemiro



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[3] Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

[4] Os direitos dos povos indígenas foram violados. CLAVERO, Bartolomé. Derecho indígena y cultura constitucional en AméricaMéxico: Siglo XXI, 1994.

[5] LAUREANO, Delze dos Santos. O MST e a Constituição, p. 64.

[6]MARTINS, José de Souza. Expropriação e violência, p. 40.