Teoria prática e prática teórica, em movimento: eis o caminho! Por frei Gilvander Moreira[1]
(Con)vivemos em meio a uma contradição social, fruto de uma organização
social heterônoma e desigual, em uma sociedade capitalista que idolatra o
mercado e a acumulação de capital à custa do sangue da maioria do povo. É
praticamente impossível alguém existir na sociedade atual realmente conforme
suas próprias determinações, sendo um anarquista radical, pois irá encontrar
inúmeras barreiras impostas por outros que moldam e ditam o que se torna
dominante.
Na luta pela terra, por território, por moradia e outros direitos
socioambientais vários conceitos são constituídos pelos Sem Terra, Sem Teto,
Indígenas, tais como: cumplicidade na luta, Sem Terra, Sem Teto, militante,
lutador/a etc. Esses conceitos expressam a ‘fina flor’ da luta pela terra, por
território e por moradia enquanto pedagogia emancipatória. ‘Cumplicidade na
luta’ se refere à concepção segundo a qual o êxito ou o fracasso da luta
depende de todos/as e não apenas das lideranças. Pela ‘cumplicidade na luta’
desenvolve-se a corresponsabilidade e a noção que diz “se mexer com qualquer
Sem Terra, Sem Teto, Indígena, Quilombola etc., mexe comigo” ou a ideia de que
as vitórias dependem da dedicação e do empenho de todas/os nas tarefas que lhe
são designadas. “Sem Terra” se refere ao sem-terra que não é um mero
expropriado e explorado, mas se tornou um sujeito protagonista na luta pela
terra, aquele que defende nas lutas coletivas o seu direito à terra, mas nunca
deixa de ser solidário com quem foi expropriado da terra e ainda não se engajou
na luta por ela. Sem Teto, da mesma forma. ‘Militante’ se refere àquele/a para
quem o sentido da vida não está apenas em participar do que foi instituído pela
classe dominante mentora e reprodutora do sistema do capital, mas em
transformar o que está aí como dado, revolucionando-o; é fazer a história com
as próprias mãos. ‘Lutador/a’ se refere a quem está doando a própria vida na
luta por direitos humanos fundamentais.
O engajamento dos sem-terra e dos sem-teto na luta pela terra e a
perseverança na luta estão ligados diretamente ao tamanho e à qualidade do
apoio e do acompanhamento recebido. As/os militantes do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
(MTST), do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e muitos outros
movimentos sociais, as/os agentes de pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
e o povo das ocupações sempre reconhecem que é graças ao apoio e acompanhamento
experimentados como algo concreto que se mobilizam as pessoas para a luta
coletiva por direitos e para a perseverança na luta.
Inspira-nos na reflexão teórica sobre luta pela terra enquanto
pedagogia de emancipação humana o pensador cubano Ovidio D’Angelo Hernández,
que analisa a íntima relação existente entre autonomia integradora e
transformação social, um desafio ético emancipatório da complexidade. Hernández
advoga a construção de uma autonomia integradora, que é diferente de autonomia
segundo o iluminismo, pois não se trata apenas de esclarecimento de
consciência. Hernández delineia uma práxis teórica emancipatória
latino-americana que passa pela pesquisa-ação participativa como método e
inclui a articulação entre os processos micro e macro de transformação social.
Busca-se integrar saberes buscando a construção de um pensamento alternativo ao
pensamento único colonizador e neoliberal. Hernández faz distinção entre
transformação e autotransformação social, o que é enfatizado pelo papel
proativo e autorreferente dos próprios sujeitos sociais.
Na América Afro-Latíndia estamos diante da emergência de novas
epistemes, novas formas de conhecimento, tais como as que são exercitadas na
Filosofia da Libertação, na Teologia da Libertação, na Pedagogia da Libertação
e em muitos outros conhecimentos que são construídos com base na luta coletiva
dos/as injustiçados/as. A pedagogia de emancipação humana, por exemplo, aposta
na educação popular como uma ferramenta fundamental de transformação social e
cultural. Isso é feito muito mais fora da escola do que na escola, mais nas
lutas coletivas pela terra, por território, por moradia e por todos os outros
direitos sociais do que em processos de educação formal que “se parece mais com uma forma de adestramento,
disciplinarização, treinamento e docilização dos indivíduos, do que como meio
de transformação e de revolução social”, afirma Paulino José Orso (ORSO,
2008, p. 51).
Para a pedagogia de emancipação humana não há separação entre teoria e
prática, mas há teoria prática e prática teórica, em movimento, na contradição
e na dialógica. Da mesma forma que não faz sentido separar o jovem Marx do
velho Marx, o primeiro e o segundo Foucault, ou os diversos momentos da obra de
Paulo Freire, devemos olhar a obra dos/as pensadores/as no seu conjunto e
interpretá-la à luz das intenções fundamentais, dentro do movimento dialético e
contraditório da realidade.
Para Ovídeo Hernández o
conceito ‘conscientização’ “designa un proceso
de acción cultural y sociopolítica en el que se involucran hombres y mujeres
“para transformar la realidad y transformarse a si mismos” [...], se trata –
según palabras de Freire en su libro Acción cultural para la libertad – de un
proceso continuo que implica una praxis, en el sentido de la relación
dialéctica entre acción y reflexión [...] que implica una inserción crítica en
la historia”
(HERNÁNDEZ, 2005, p. 17).
Portanto, no próximo período desafiador para o povo brasileiro, urge
aprimorarmos compromisso com as lutas sociotransformadoras articulando de forma
emancipatória teoria prática e prática teórica, em movimento, na contradição e
na dialógica. Eis o caminho para fazermos a história com nossas próprias mãos.
Referência
HERNÁNDEZ, Ovidio S. D’Angelo. Autonomía integradora y transformación social: El desafío ético
emancipatorio de la complejidad. La Habana: Publicaciones Acuario Centro Félix
Varela, 2005.
SANTOS, Ariovaldo. Mundialização, educação e emancipação humana. In: ORSO, Paulino José; GONÇALVES, Sebastião Rodrigues; MATTOS, Valci Maria (Orgs.). Educação e lutas de classes. São Paulo: Expressão Popular, p. 39-47, 2008.
29/12/2022
1 - Frei Carlos Mesters: CF/22 -Fraternidade e Educação.
“Fala com sabedoria, ensina com amor”(Pr 31,26)
2 - “Arborizemos nosso ambiente! Educação ambiental e práxis
ecológica” (Rosimeire Maria, de Arinos, MG)
3 - Frei Gilvander no Ato Interreligioso da Educação.
Educação que liberta. Sind-UTE/MG, BH/MG - Vídeo 2
4 - Ato Interreligioso da Educação: Valorização e Educação
que liberta e humaniza. Sind-UTE/MG, BH
5 - Frei Gilvander X Seguranças da Vale S/A e Educação
Indígena Xukuru-Kariri, em Brumadinho/MG. Vídeo 7
6 - P.A Terra Prometida do MST em Felisburgo/MG produz
alimentos saudáveis e Educação do Campo. Vídeo 3
7 - Frei Gilvander apoia greve dos trabalhadores e
trabalhadoras em Educação de Betim, MG 12 2 2020
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em
Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel
em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto
Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e
Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação
Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
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